domingo, 21 de agosto de 2011

As duas árvores

No princípio, seu coração era apenas uma terra plana e limpa. A terra era fértil e de tudo que se plantava, crescia e prosperava. Ainda era uma criança e vivia livre pelas campinas. Com o tempo, a seca, as enchentes, as agruras  e as intempéries da vida fizeram a terra  criar também abrolhos e espinhos, por isso era necessário manter vigilância para que essas ervas daninhas não sufocassem o que tinha de precioso plantado no jardim de seu coração. Já era uma adolescente adulta e por isso buscava caminhos certos, atitudes certas, sonhos certos... Mas para sua surpresa percebeu que nada era certo e que a  vida é uma bola gigante e azul, rodando em órbita e que dá muitas voltas trazendo ou separando coisas queridas e rejeitadas.
Já mulher, viu seu coração abrigar uma árvore grande, de galhos exuberantes e raízes fortalecidas. Ela fazia sombra para muitas outras árvores. Amava aquela árvore que nascera tímida e crescera como um gigante. À sombra dela, costumava sonhar, sorrir, dormir e também chorar. Fez dela o centro de seu mundo. Tudo que cultivava no jardim era para realçar o que tinha de belo na árvore.
Esperou o momento dos frutos, mas, mesmo crescida, os frutos sazonais eram poucos, quase escassos. Podia abrigar-se na árvore, mas não podia saciar sua fome que crescia dia-a-dia.
Esperou pacientemente, depois esperou angustiada, por fim esperou desesperada, até que  perdeu a esperança. A árvore, a despeito do que era feito por ela, continuava sem dar quase nenhum fruto.
Chorou copiosamente quando a árvore lhe pediu que a cortasse.
Afastou-se e foi visitar seu jardim que há muito tempo não visitava, ou melhor, não cuidava. A árvore havia tomado sua atenção e percebera que havia sido relapsa com tantas coisas, inclusive com os vizinhos. Tinha gente que precisava de auxílio. Por mais distante que tentasse ficar, a árvore austera se mantinha esguia e ela podia vê-la até quando era noite.
Em suas andanças, sentiu saudade da sombra da árvore e fatigada, voltava lá, sonhava e saía. Sempre olhando com pesar para a velha árvore. Quem sabe um dia ela dá frutos, pensava.
_ Corte-me, insistia a árvore.
_ Não consigo, respondia com lágrimas nos olhos.
Ficava imaginando o que faria ao olhar o vazio que a árvore deixaria se fosse arrancada.
Um forte vendaval arrancou-lhe galhos e feriu-lhe o tronco. Sem nada poder fazer,  viu que, nas raízes da árvore, algo se instalara e a corrompera. Se deixasse a árvore ali, ela contaminaria todo o jardim.
Por mais coerente que lhe fosse arrancar-lhe, seu mundo ainda girava em torno dela, assim, arrancá-la, seria extrair de dentro de si seu próprio coração.
 Afastou-se novamente. Mas a saudade da sombra fê-la voltar  lá.
Diferente das outras vezes, sua atenção voltou-se para uma árvore que crescia feliz ao lado da outra.  Mesmo tenra, já dava sinais de que, na estação própria, daria muitos frutos, já estava crescida e disposta a ali ficar. Uma pontinha de felicidade e satisfação alentou seu coração desesperado e começou a se distrair com a nova árvore. Mas, de vez em quando, ainda recostava-se à sobra do velho pinheiro. Talvez por isso não lhe desse frutos. Sua natureza era apenas para dar sombra, não soubera ver isso.



Suerbene Paulino

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