domingo, 30 de janeiro de 2011

Riscos e rabiscos



RISCOS E RABISCOS


Gostava de desenhar. Desde cedo  descobriu esse talento nato. Na escola, era o desenhista oficial do grupo. Gostava, a priori, de desenhar seus pais, eram riscos que, aos poucos, foram adquirindo forma. Depois começou a rabiscar casas, bichos, carros, natureza... Seus cadernos acumulavam-se na estante. Com o tempo,  começou a rabiscar pessoas diversas e algumas anônimas.  Rostos, narizes, olhos, expressões...
Desenhar gente era bom, mas ele tinha a necessidade de acrescentar-lhes coisas que não faziam parte deles. A princípio as pessoas gostavam e achavam  aquilo legal.
Cresceu, agora era um rapaz, todavia continuava  a desenhar...  Vez em quando os adequava ao seu bel prazer. Gostava de criar coisas novas, inventava casas dentro de lagos e que se locomoviam como se fossem lanchas ou voavam como se fossem aviões. Alguns carros tinham formas engraçadas, bicicletas, motociclos, aviões, hotéis, praias... Uma vez fizera um lago com águas douradas ao invés de águas prateadas. Fizera o reflexo da lua de forma triste e pensativa como se estivesse apaixonada. Girassóis murchos, flores fechadas... Nem ele mesmo entendera aquele desenho patético, foi assim que chamara. Como rapaz, desenhava também garotas, loiras, morenas, ruivas... Adorava modificá-las... Agora não acrescentava somente, sentia prazer em retirar coisas delas no desenho. Algumas não gostavam e ele, com raiva acabava rasgando seus belos rabiscos.
                Tentara fazer isso com os pais, mas também não foi muito bem visto. Pessoas são complicadas. Alguém lhe sugerira  desenhar a si próprio. Era uma boa ideia. Não tirou nada, porém  acrescentou-lhe coisas. Gostara do resultado, entretanto o desenho ficara guardado. Ninguém iria vê-lo.  Passou a se dedicar a desenhar escritórios, cadeiras, mesas de trabalho, locais diversos... Tornou-se um grande arquiteto de ambientes.
                Um dia se viu desenhando uma linda moça. Cabelos curtos e escorregadios, olhos vivos e negros, corpo esguio, seios salientes, um rosto comum, mas diferente. Não sei se dá pra entender isso! Talvez ela passasse despercebida para os outros, no entanto, para ele, era especial. Não queria acrescentar-lhe nada. Estava perfeita tal qual era.
Com o tempo,  entretanto, resolveu  aumentar o tamanho do cabelo dela, clarear-lhe um pouco os olhos, todavia ela não gostou do que viu. Ele não quis rasgar o desenho. Modificou o que havia alterado, dessa vez, fez-lhe um pouco mais alta e deu-lhe uma turbinada no bumbum. Qualquer mulher gostaria de se ver assim, não ela. Cortou o desenho em quatro partes. Ele ficara desolado. Juntou as partes e tentou consertar o que havia tentando mudar. Porém o papel amassado, colado, não colaborou muito. Já havia mexido naquele desenho antes. Melhor deixá-lo de lado. Ela foi-se. Deixou saudades.
Um belo dia, manhã de domingo, como de costumes,  levantou-se e fez seu asseio matinal. Café gostoso, cheiro na mamãe e... Um e-mail dela... Abriu logo. Havia um anexo, era um desenho. Um desenho de um homem com lápis na mão, desenhando pessoas. Ao fundo, desenhando também, uma moça de cabelos curtos, corpo esquio, olhos negros e vivos, era ela.



                                                                                                                         Sue Paulino

domingo, 16 de janeiro de 2011

O que é a saudade?


Certa vez ouvi um criança assim me falar, - sinto uma dor  aqui – ela apontou o peito, - como é essa dor? Perguntei, não sei, dói e na minha cabeça fica falando assim: painho, painho. Senti que ela falava de saudade. Aquela informação vinda de uma criança de seis anos machucou tanto meu coração, controlei as lágrimas.
A saudade se comunica com a nossa “cabeça” e fica repetindo inúmeras vezes a imagem, o nome, o cheiro, o sorriso do ser amado. “É uma dor que desatina a doer, “ dilacera e não tem remédio que possa combatê-la, talvez por isso que muitos arremessam suas vidas para vielas obscuras, a fim de sucumbir essa dor e  acabam por criar uma vazio dentro de si.
Saudade é um buraco feito dentro do nosso coração, nada o  reconstitui, nada resolve. Engana-se quem tenta preencher esse vazio com opção e opção, pois não só o buraco vai ficando sujo, como perde o sentido e se confunde com outros vazios dentro da gente, deixando-nos perdidos.
Que fazer, então, com essa dor, esse vazio, essa cratera? Esperar, nada mais sábio há para se fazer, esperar que a carne ao redor do buraco vá  se reconstituindo e se feche. Deixará, claro, uma cicatriz, mas no futuro será apenas uma cicatriz. 
Suerbene Paulino

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Quando amamos

Sabe quantas vezes eu te procurei dentro de mim mesma (mesmo)? Eleve ao cubo as vezes que respiro. Exagero? Não, insegurança e desejo. Insegurança, porque não consigo acreditar que esse amor tão imenso possa ir embora e é do que eu mais preciso, que esse amor vá diminuindo de intensidade até me deixar leve. Desejo, porque quero ficar livre e refazer as rotas empoeiradas pelas quais passei nesse momento insano de minha vida, quando entreguei a você o rumo dos meus sonhos. Talvez sua insensatez não o (a) deixou ver a grande responsabilidade que estava assumindo e minha irresponsabilidade não me deixou pensar no que estava querendo.
Alguém já disse que não podíamos entregar a ninguém a responsabilidade da nossa felicidade. Concordo com isso, é egoísmo transferirmos algo tão pessoal para outra pessoa. Por isso que não posso odiá-lo (la), primeiro porque em meu coração há amor suficiente para suplantar qualquer sentimento negativo contra você, segundo porque essa é uma decisão minha - ser feliz ou não - terceiro porque você tem todo direito de ser livre e de fazer suas escolhas. Viver ao lado de alguém é uma decisão e não uma imposição. Continuar ao lado de alguém é um ato de coragem e responsabilidade. 
Se um dia dissermos a alguém que o amamos, devemos pensar seriamente nas consequências e responsabilidade de pronunciarmos algo tão poderoso e sério. Não se ama apenas hoje, não se ama apenas enquanto sorrimos, amamos no choro, na birra, na decepção, na feiúra, na beleza, no enjoo, na paixão... não há lugar para desprezo e desrespeito quando se ama...É inconcebível pronunciarmos palavras dilacerantes, com resquício de maldade a alguém que afirmamos amar. Porque dói em nós, antes de sair de nossas bocas, a palavra que sabemos machucar e massacrar o outro. Como machucar quem amamos? Como desprezar quem amamos? Como ser indiferente à dor de quem amamos?
Quando amamos, temos Deus dentro de nós e seguimos seus passos e conselhos ao dizer para nós:

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha; I Cor.13

Suerbene Paulino