RISCOS E RABISCOS
Gostava de desenhar.
Desde cedo descobriu esse talento nato.
Na escola, era o desenhista oficial do grupo. Gostava, a priori, de desenhar
seus pais, eram riscos que, aos poucos, foram adquirindo forma. Depois começou
a rabiscar casas, bichos, carros, natureza... Seus cadernos acumulavam-se na
estante. Com o tempo, começou a rabiscar
pessoas diversas e algumas anônimas. Rostos,
narizes, olhos, expressões...
Desenhar gente era
bom, mas ele tinha a necessidade de acrescentar-lhes coisas que não faziam
parte deles. A princípio as pessoas gostavam e achavam aquilo legal.
Cresceu, agora era um
rapaz, todavia continuava a desenhar... Vez em quando os adequava ao seu bel prazer.
Gostava de criar coisas novas, inventava casas dentro de lagos e que se
locomoviam como se fossem lanchas ou voavam como se fossem aviões. Alguns
carros tinham formas engraçadas, bicicletas, motociclos, aviões, hotéis,
praias... Uma vez fizera um lago com águas douradas ao invés de águas
prateadas. Fizera o reflexo da lua de forma triste e pensativa como se
estivesse apaixonada. Girassóis murchos, flores fechadas... Nem ele mesmo
entendera aquele desenho patético, foi assim que chamara. Como rapaz, desenhava
também garotas, loiras, morenas, ruivas... Adorava modificá-las... Agora não acrescentava
somente, sentia prazer em retirar coisas delas no desenho. Algumas não gostavam
e ele, com raiva acabava rasgando seus belos rabiscos.
Tentara fazer isso com os pais, mas também não foi muito bem visto. Pessoas são
complicadas. Alguém lhe sugerira desenhar a si próprio. Era uma boa ideia. Não
tirou nada, porém acrescentou-lhe coisas.
Gostara do resultado, entretanto o desenho ficara guardado. Ninguém iria vê-lo.
Passou a se dedicar a desenhar escritórios, cadeiras, mesas de trabalho, locais
diversos... Tornou-se um grande arquiteto de ambientes.
Um dia se viu desenhando uma linda moça. Cabelos curtos e escorregadios, olhos
vivos e negros, corpo esguio, seios salientes, um rosto comum, mas diferente. Não
sei se dá pra entender isso! Talvez ela passasse despercebida para os outros,
no entanto, para ele, era especial. Não queria acrescentar-lhe nada. Estava
perfeita tal qual era.
Com o tempo,
entretanto, resolveu aumentar o tamanho do cabelo dela, clarear-lhe
um pouco os olhos, todavia ela não gostou do que viu. Ele não quis rasgar o
desenho. Modificou o que havia alterado, dessa vez, fez-lhe um pouco mais alta
e deu-lhe uma turbinada no bumbum. Qualquer mulher gostaria de se ver assim,
não ela. Cortou o desenho em quatro partes. Ele ficara desolado. Juntou as
partes e tentou consertar o que havia tentando mudar. Porém o papel amassado,
colado, não colaborou muito. Já havia mexido naquele desenho antes. Melhor
deixá-lo de lado. Ela foi-se. Deixou saudades.
Um belo dia, manhã de
domingo, como de costumes, levantou-se e
fez seu asseio matinal. Café gostoso, cheiro na mamãe e... Um e-mail dela... Abriu
logo. Havia um anexo, era um desenho. Um desenho de um homem com lápis na mão,
desenhando pessoas. Ao fundo, desenhando também, uma moça de cabelos curtos,
corpo esquio, olhos negros e vivos, era ela.
Sue Paulino